

Além do Hype: GPT‑4.5, AGI e os Paradoxos Estruturais da IA em 2025
Além do Hype: GPT 4.5, AGI e os Paradoxos Estruturais da IA em 2025
O lançamento do GPT 4.5 em fevereiro de 2025 consolidou uma virada crucial na trajetória da inteligência artificial: o ponto em que modelos fundacionais deixaram de ser apenas ferramentas de linguagem para se tornarem estruturas operacionais nas mais diversas camadas da sociedade. Porém, para além da evolução técnica, a narrativa dominante sobre esses modelos ainda é superficial. É hora de discutir, de forma crítica, o que essas tecnologias realmente representam — em termos de impacto, risco, disputa por poder e suas implicações para o futuro da sociedade e da cognição humana.
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1. GPT 4.5: Mais que tokens — um novo paradigma de controle
Enquanto a maioria das análises destaca os ganhos em “inteligência emocional”, menor alucinação e janelas de 128 mil tokens, o real avanço do GPT 4.5 é sua transição de um modelo reativo para uma plataforma instrumental, modular e persistente. Ele é agora um hub de agentes compostáveis, que se autogerenciam em pipelines reflexivos — ou seja, a IA deixou de responder perguntas para começar a gerenciar processos.
O problema: a descentralização operacional do poder humano. Ao terceirizar tarefas cognitivas para esses sistemas — da triagem de dados ao aconselhamento jurídico — indivíduos e instituições abrem mão de agências decisórias que foram, historicamente, ancoradas no humano. Isso exige novas formas de auditoria epistêmica: não basta sabermos o que a IA faz, mas por que ela fez — e a quem isso beneficia.
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2. Competição: o falso conforto da diversidade de modelos
O cenário de 2025 apresenta um ecossistema competitivo com Claude, Gemini, LLaMA e Mistral. Superficialmente, parece que o mercado encontrou equilíbrio e pluralidade. Mas essa pluralidade é ilusória em dois aspectos:
• Interdependência técnica: quase todos os modelos ainda se baseiam nos mesmos papers, arquiteturas Transformer e treinamentos massivos com conteúdo gerado no Ocidente. A diversidade de outputs não implica em diversidade de insumos epistemológicos.
• Convergência estratégica: as Big Techs aprenderam a navegar o ciclo da regulação. A fragmentação dos modelos serve também como estratégia geopolítica: empresas localizam versões específicas em mercados regulados para manter soberania técnica e driblar legislações mais duras (como o AI Act).
A falsa competição, portanto, mascara a concentração de poder computacional, de dados e de infraestrutura em poucos polos — um paradoxo de mercado que se vende como descentralizado enquanto consolida hegemonias.
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3. A crise energética da IA: eficiência como fetiche
O dado de que o GPT 3 consumiu 700 mil litros de água para ser treinado costuma chocar. A estimativa de 6 trilhões de litros até 2027, mais ainda. Mas o que não se discute o suficiente é como o discurso de “eficiência energética” se tornou um fetiche de legitimação para justificar escalabilidade irresponsável.
A NVIDIA Blackwell B200, por exemplo, de fato reduz o custo por inferência. Mas isso incentiva o uso massivo, e não mais responsável, dos modelos. A equação continua insustentável: a eficiência por transação cai, mas o volume de transações cresce exponencialmente. É a mesma lógica da indústria de veículos elétricos que, ao invés de repensar mobilidade urbana, apenas substitui gasolina por lítio.
A crítica aqui é estrutural: não se trata de tornar a IA mais eficiente, mas de perguntar onde ela deve ser usada, por quem e para quê.
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4. Regulação: a promessa de controle diante da opacidade estrutural
O AI Act europeu é ambicioso, e o EO 14110 americano sinaliza preocupação com a segurança. Mas ambos falham em um ponto fundamental: eles partem do pressuposto de que modelos como o GPT-4.5 são passíveis de regulação pelo mesmo paradigma usado em medicamentos ou veículos — um erro de categoria.
Modelos fundacionais são não-determinísticos, opacos e não-lineares. Seus outputs não são replicáveis nem rastreáveis em nível de token. Isso os distancia dos padrões clássicos de certificação. Regulá-los como se fossem produtos fixos é ineficaz — é preciso criar modelos de governança sistêmica, que acompanhem o ciclo de vida dos modelos e o contexto de suas aplicações.
A regulação atual não responde:
• Quem decide o que é uma "alucinação" socialmente aceitável?
• Como rastrear impactos colaterais em decisões administrativas automatizadas?
• Como lidar com “ações” tomadas por agentes compostos e seus efeitos jurídicos?
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5. Rumo ao AGI: utopia tecnológica ou deslocamento epistêmico?
OpenAI, DeepMind e outras empresas sinalizam que estão próximas da AGI. Mas aqui precisamos de precisão conceitual: AGI não é apenas desempenho técnico. É uma transformação epistemológica sobre o que é “conhecimento”, “autonomia” e “inteligência”.
A busca por AGI envolve riscos:
• Colonialismo cognitivo: modelos são treinados sobre epistemologias dominantes (ocidentais, masculinas, anglófonas). Ao escalar esses sistemas globalmente, há o risco de apagar saberes plurais e cristalizar um “centro do saber” digital.
• Obsolescência do humano não técnico: em vez de empoderar o coletivo, a AGI pode reforçar a centralidade dos “alfabetizados computacionais” e marginalizar os saberes não digitalizados, como o oral, o artístico e o empírico.
• Alinhamento superficial: é ilusório pensar que instruções como “não seja tendencioso” são suficientes para controlar inteligências complexas. O alinhamento de valores requer um projeto político, não apenas técnico.
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6. O GPT-5 e o futuro pós-modelo
O GPT-5, em fase de testes internos, será a primeira tentativa declarada de criar um modelo unificado — uma IA operacional, com plugins autônomos, hipercontexto e estrutura reflexiva. Mas talvez mais importante que sua performance será o que ele simboliza: o fim da IA como “ferramenta” e o nascimento da IA como “infraestrutura social”.
Se não repensarmos agora:
• quais tarefas automatizar,
• quais conhecimentos queremos preservar,
• quem deve decidir as instruções dos modelos,
então o próximo salto técnico pode não ser um salto humano — será apenas a aceleração de um sistema que já começou a escapar da nossa capacidade de explicação.
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Conclusão: entre eficiência, controle e significado
O GPT 4.5 não é apenas um avanço computacional. Ele é a prova de que a IA está se tornando uma camada basal da realidade social, como a eletricidade ou o protocolo TCP/IP. Mas essa fundação está sendo construída sem consenso público, sem controle democrático e sob lógicas comerciais extrativistas.
A pergunta em 2025 não é mais “o que a IA pode fazer”, mas sim:
• O que queremos que ela faça?
• Quem decide?
• Com que impactos ambientais, políticos e culturais?
Não é mais uma corrida de modelos. É uma corrida por sentido, responsabilidade e equidade.
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Fontes utilizadas
• Wikipedia – “GPT-3” (29 mai. 2020) Wikipedia
• OpenAI – “Introducing GPT-4.1 in the API” (14 abr. 2025) Wikipedia
• Interesting Engineering – “GPT-3 training consumed 700 k liters of water” (2023) OpenAI
• Beard, Chester – “AI use, water consumption and conservation strategies” (23 abr. 2025) OpenAI
• NVIDIA Newsroom – “NVIDIA Blackwell platform arrives to power a new era of computing” (18 mar. 2024) NVIDIA Developer
• European Union – Regulation (EU) 2024/1689 – Artificial Intelligence Act (12 jul. 2024) eInfochips
• United States Federal Register – Executive Order 14110 (01 nov. 2023) springboard.com
• Time – “How OpenAI’s Sam Altman Is Thinking About AGI and Superintelligence in 2025” (jan. 2025) Time
• Sam Altman – Reflections (blog, jan. 2025) Sam Altman
• CIO – “Altman now says OpenAI has not yet developed AGI” (mar. 2025) CIO
• Financial Times – “OpenAI still has a governance problem” (mai. 2025) Financial Times